sábado, 30 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Tomás Jardim (10ºF)


REALIDADE


Os factos
são o espelho as coisas mostram-
-se atravessadas pelos rios
do som A poesia
quebra o vidro do dia como duma
cratera a voz do fogo lança
os jactos

Gastão Cruz, in O Pianista

sexta-feira, 29 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Tiago da Silva (10ºD)


NAUFRÁGIO

A rua cheia de luar
Lembrava uma noiva morta
Deitada no chão, à porta
De quem a não soube amar.

Já não passava ninguém...
Era um mundo abandonado...
E à janela, eu, tão Além,
Subia ressuscitado...

Vi-me o corpo morto, em cruz,
Debruçado lá no Fundo...
E a alma como uma luz
Dispersa em volta do mundo...

Mas, à tona do mar morto,
Um resto de caravela
Subia... E chegava ao porto
Com a aragem da janela.

António José Branquinho da Fonseca

quinta-feira, 28 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Fernando Fernandes (10º F)




O SONHO


Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

— Partimos. Vamos. Somos.


Sebastião da Gama, in Pelo Sonho É Que Vamos

quarta-feira, 27 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Margarida Carvalho (10ºF)


ADEUS


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro
nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um
ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes
verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um
aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade, in Os Amantes sem Dinheiro

terça-feira, 26 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Lourenço Azevedo (10ºF)

A MEU FAVOR

A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.



Alexandre O´Neill, in No Reino da Dinamarca

segunda-feira, 25 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de…António Fonseca (10ºF)



Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco



Mário Cesariny in Pena Capital

domingo, 24 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de…Inês Gonçalves (10ºF)


AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


Fernando Pessoa

sábado, 23 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Catarina Data (10ºF)

LÁGRIMA DE PRETA

Encontrei uma preta
que estava a chorar
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado

Olhei-a de um lado
do outro e de frente
tinha um ar de gota
muito transparente

Mandei vir os ácidos
as bases e os sais
as drogas usadas
em casos que tais

Ensaiei a frio
experimentei ao lume
de todas as vezes
deu-me o qu'é costume

Nem sinais de negro
nem vestígios de ódio
água (quase tudo)
e cloreto de sódio

António Gedeão

sexta-feira, 22 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… David Teixeira (10ºD)


A VIDA


É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo ou o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo "Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!...



Florbela Espanca in Livro de Sóror Saudade

quinta-feira, 21 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Vanessa Antunes (10ºF)

FALA DO HOMEM NASCIDO

Venho da terra assombrada
do ventre de minha mãe
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém

Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci

Trago boca pra comer
e olhos pra desejar
tenho pressa de viver
que a vida é água a correr

Venho do fundo do tempo
não tenho tempo a perder
minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada

Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham
nem forças que me molestem
correntes que me detenham

Quero eu e a natureza
que a natureza sou eu
e as forças da natureza
nunca ninguém as venceu

Com licença com licença
que a barca se fez ao mar
não há poder que me vença
mesmo morto hei-de passar
com licença com licença
com rumo à estrela polar

António Gedeão,in Teatro do Mundo

quarta-feira, 20 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Diogo Matos (10º F)


NÃO POSSO ADIAR O AMOR

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração.

António Ramos Rosa

terça-feira, 19 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Beatriz Zoccoli (10ºA)

VERSOS DE ORGULHO

O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém.

Porque o meu Reino fica para além …
Porque trago no olhar os vastos céus
E os oiros e clarões são todos meus !
Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém !

O mundo ? O que é o mundo, ó meu Amor ?
- O jardim dos meus versos todo em flor…
A seara dos teus beijos, pão bendito…

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços…
- São os teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o Infinito.

Florbela Espanca

segunda-feira, 18 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de...João Santos (10ºA)

O AMOR, MEU AMOR

Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.

Mia Couto, in Idades Cidades Divindades

domingo, 17 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de... Carolina Miranda (10ºA)

BALADA DE LISBOA

Em cada esquina te vais
Em cada esquina te vejo
Esta é a cidade que tem
Teu nome escrito no cais
A cidade onde desenho
Teu rosto com sol e Tejo

Caravelas te levaram
Caravelas te perderam
Esta é a cidade onde chegas
Nas manhãs de tua ausência
Tão perto de mim tão longe
Tão fora de seres presente

Esta e a cidade onde estás
Como quem não volta mais
Tão dentro de mim tão que
Nunca ninguém por ninguém
Em cada dia regressas
Em cada dia te vais

Em cada rua me foges
Em cada rua te vejo
Tão doente da viagem
Teu rosto de sol e Tejo
Esta é a cidade onde moras
Como quem está de passagem

Às vezes pergunto se
Às vezes pergunto quem
Esta é a cidade onde estás
Com quem nunca mais vem
Tão longe de mim tão perto
Ninguém assim por ninguém

Manuel Alegre, in, Babilónia

sábado, 16 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de... Ana Sofia Lourenço (10º A)


POEMA À BOCA FECHADA

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago

sexta-feira, 15 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Jorge Marrão

CONTRIBUIÇÃO PARA A ESTATÍSTICA

Em cada cem pessoas
sabendo de tudo mais do que os outros
- cinquenta e duas,
inseguras de cada passo:
- quase todas as outras,
prontas a ajudar, desde que isso não lhes tome muito tempo:
- quarenta e nove, o que já não é mau,
sempre boas porque incapazes de ser de outro modo:
- quatro; enfim, talvez cinco,
prontas a admirar sem inveja:
- dezoito,
induzidas em erro
por uma juventude afinal tão efémera:
- mais ou menos sessenta,
com quem não se brinca:
- quarenta e quatro,
vivendo sempre angustiadas
em relação a alguém ou a qualquer coisa:
- setenta e sete,
dotadas para serem felizes:
- no máximo vinte e tal,
inofensivas quando sozinhas
mas selvagens quando em multidão:
- isso, o melhor é não tentar saber nem mesmo aproximadamente,
prudentes depois de o mal estar feito:
- não mais do que antes,
não pedindo nada da vida exceto coisas:
- trinta, mas preferia estar enganada,
encurvadas, sofridas,
sem uma lanterna que lhes ilumine as trevas:
- mais tarde ou mais cedo, oitenta e três,
justas:
- pelo menos trinta e cinco, o que já não é nada mau,
mas se a isso juntarmos o esforço de compreender:
- três,
dignas de compaixão:
- noventa e nove,
mortais:
- cem por cento,
número que, de momento, não é possível alterar.


Wislawa Szymborska

quinta-feira, 14 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Tânia Santos (10ºF)


AMOR DE FIXAÇÃO

Há um caminho marítimo no meu gostar de ti.
Há um porto por achar no verbo amar
há um demandar um longe que é aqui.
E o meu gostar de ti é este mar.
Há um Duarte Pacheco em eu gostar
de ti. Há um saber pela experiência
o que em muitos é só um efabular.
Que de naufrágios é feita esta ciência
que é eu gostar de ti como um buscar
as índias que afinal eram aqui.
Ai terras de Aquém-Mar (a-quem-amar)
naus a voltar no meu gostar de ti:
levai-me ao velho pinho do meu lar
eu o vi longe e nele me perdi.

Manuel Alegre

quarta-feira, 13 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de … A PÁGINAS TANTAS

No 124º aniversário do nascimento de Fernando Pessoa

AS IDENTIDADES DO POETA
(de Carlos Drummond de Andrade para Fernando Pessoa)

De manhã pergunto:
Com quem se parece Fernando Pessoa?
Com seus múltiplos eus, expostos, oblíquos
em véu de garoa?
Com tripulantes-máscaras de esquiva canoa?
Com elfo imergente
em frígida lagoa?
Com a garra, a juba, o pelo amaciado
de velha leoa?

Quem radiografa, quem esclarece
Fernando Pessoa,
feixe de contrastes, união de chispas,
aluvião de lages
figurando catedral ausente de cardeais,
com duendes oficiando absconso ritual
vedado a profanos?
Que sina, frustrado destino, foi a coroa
desse Pessoa,
morto redivivo, presentifuturo
no céu de Lisboa?

Que levava (leva) no bolso
Fernando Reis de Campos Caeiro Pessoa:
irónico bilhete de identidade,
identity card
válido por cinco anos ou pela eternidade?
Que leva na alma:
augúrios de sibila,
Portugal a entristecer,
a desastrosa máquina do universo?

Fernando Pessoa caminha sozinho
pelas ruas da Baixa,
pela rotina do escritório
mercantil hostil
ou vai, dialogante, em companhia
de tantos si-mesmos
que mal pressentimos
na seca solitude
de seu sobretudo?

Afinal, quem é quem, na maranha
de fingimento que mal finge
e vai tecendo com fios de astúcia
personas mil na vaga estrutura
de um frágil Pessoa?

Quem apareceu, desapareceu na proa
de nave-canção
e confunde nosso pensar-sentir
com desconforto de ave poesia
e doçura de flauta de Pã?

À noite divido-me:
anseio saber,
prefiro ignorar
esse enigma chamado Fernando Pessoa.

Carlos Drummond de Andrade, in Farewell, Record, 1996
(publicado pela 1.ª vez na revista “Colóquio Letras”, nº88, 1985 – Centenário do nascimento de F. Pessoa)

terça-feira, 12 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Catarina Salgueiro (10ºA)

Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio


Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

Ricardo Reis, in Odes

segunda-feira, 11 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Daniel Costa (12ºB)


FANATISMO

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

«Tudo no mundo é frágil, tudo passa...»
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
«Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...»


Florbela Espanca

domingo, 10 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Daniela Graça (10ºA)


SOMBRA DO MEU SILÊNCIO

O Sol
não procura
as sombras que faz!
Para além de ficar
brilhando,
o ritmo das sombras
está fora
do seu mundo…
Também tu,
gritando,
não quebras o silêncio
que me envolve,
no mundo
que crie,
fora dos teus gritos!
Sou o sol
das tuas sombras,
o grito
dos teus silêncios
de pesadelo.

Antero Sobral

sábado, 9 de junho de 2012


PARA SEMPRE
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 8 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de...Priscila Nicolau (10ºE)

LUA ADVERSA

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...



Cecília Meireles

quinta-feira, 7 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de...Mafalda Caridade (10ºE)


HÁ PALAVRAS QUE NOS BEIJAM

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Alexandre O'Neil

quarta-feira, 6 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de…Leonor d'Eça (10ºA)



ESPLENDOR NA RELVA

Eu sei que Deanie Loomis não existe

mas entre as mais essa mulher caminha

e a sua evolução segue uma linha

que à imaginação pura resiste



A vida passa e em passar consiste

e embora eu não tenha a que tinha

ao começar há pouco esta minha

evocação de Deanie quem desiste

na flor que dentro em breve há-de murchar?

(e aquele que no auge a não olhar

que saiba que passou e que jamais

lhe será dado a ver o que ela era)

Mas em Deanie prossegue a primavera

e vejo que caminha entre as mais.


Ruy Belo

terça-feira, 5 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de... A Páginas Tantas

Minha Terra

Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viu o mar
Onde tenho o meu pão e a minha casa...

Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folha... a dormitar...
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra mourisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmão nasceu...
Aonde a mãe que eu tive e que morreu,
Foi moça e loira, amou e foi amada...

Truz... truz... truz... Eu não tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, é quase noite...
Terra, quero dormir... dá-me pousada!

Florbela Espanca, in Charneca em Flor

segunda-feira, 4 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Mayara Maria (8ºB)


FUNDO DO MAR

No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.

Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.


Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 3 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de…Mariana Breia (8ºB)




Perdigão perdeu a pena

Perdigão perdeu a pena
Não há mal que lhe não venha.

Perdigão que o pensamento
Subiu a um alto lugar,
Perde a pena do voar,
Ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento
Asas com que se sustenha:
Não há mal que lhe não venha.

Quis voar a uma alta torre,
Mas achou-se desasado;
E, vendo-se depenado,
De puro penado morre.
Se a queixumes se socorre,
Lança no fogo mais lenha:
Não há mal que lhe não venha.


Luís de Camões

sábado, 2 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Bruno Esteves (10ºE)


PRINCÍPIO

Não tenho deuses. Vivo
Desamparado.
Sonhei deuses outrora,
Mas acordei.
Agora
Os acúleos são versos,
E tateiam apenas
A ilusão de um suporte.
Mas a inércia da morte,
O descanso da vide na ramada
A contar primaveras uma a uma,
Também me não diz nada.
A paz possível é não ter nenhuma.

Miguel Torga

sexta-feira, 1 de junho de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de...Filipa Gomes da Costa (8ºB)

Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela.
Que é tão bela,
Oh pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!
Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela,
Só de vê-la,
Oh pescador.
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela
Foge dela
Oh pescador!

Almeida Garrett, Folhas Caídas