domingo, 21 de novembro de 2010

AS MÃOS, AS PALAVRAS E OS FRUTOS

Quero acreditar que o Eugénio de Andrade me perdoaria o abuso do seu título, se tivesse assistido à oficina animadíssima que, logo de manhãzinha, encheu a Biblioteca de cores, aromas, risos e ideias a crescer por todos os lados.
É preciso primeiro explicar que o 9º E está mais uma vez a pôr à prova a sua criatividade (lembram-se das ilustrações de poemas e dos DVDs gravados no ano passado?). O ponto de partida, desta vez, foi o envolvimento da turma no Programa Pessoa e, em E.V., a escolha de um fruto por cada um dos alunos, que já o desenhou e já procurou, também, as palavras mais certas para o descrever. Alguns já tinham também pesquisado títulos de livros e de poemas contendo nomes de frutos, quando, na passada quinta-feira, nos reunimos para mais uma sessão
dedicada a saborear o prazer da leitura e da escrita.
Dos textos lidos, o primeiro um diálogo muito invulgar, em que um certo Virgílio se esforça por explicar a uma certa Beatriz como é uma pera (Yann Martel, Beatriz e Virgílio, ed. Presença),o segundo retirado de mais um daqueles livros em que a imaginação e o nonsense de Roald Dahl dão resultados sempre imprevisíveis (James e o Pessegueiro Mágico, ed. Terramar), aqui fica um breve fragmento:

BEATRIZ: Mas a que sabe? Não aguento mais.
VIRGÍLIO: Uma pêra madura transborda de suculência doce.
BEATRIZ: Oh, isso parece bom.
VIRGÍLIO: Corta uma pêra e verás que a sua polpa é de um branco incandescente. Brilha com uma luz interior. Aqueles que trazem consigo uma faca e uma pêra nunca têm medo do escuro.
BEATRIZ: Tenho de provar uma.
VIRGÍLIO: A textura de uma pêra, a sua consistência, é outra coisa difícil de pôr em palavras. Algumas peras são um tudo-nada crocantes.
BEATRIZ: Como uma maçã?
VIRGÍLIO: Não, nada parecido com uma maçã! Uma maçã resiste a ser comida. Uma maçã não é comida, é conquistada. A qualidade crocante de uma pêra é muito mais atraente. É generosa e frágil. Comer uma pêra é semelhante a... beijar.
BEATRIZ: Oh, céus! Parece tão bom.
VIRGÍLIO: A polpa de uma pêra pode ser ligeiramente granulosa. Contudo, derrete-se na boca.
BEATRIZ: Tal coisa é possível?
VIRGÍLIO: Com todas as peras. E isso é só o aspecto, o toque, o cheiro, a textura. Ainda nem te falei do sabor.
BEATRIZ: Meu Deus!
VIRGÍLIO: O sabor de uma boa pêra é tal que, quando se come, quando os nossos dentes mergulham na beatitude da polpa, isso torna-se uma actividade absorvente. Não se quer fazer mais nada além de comer a nossa pêra. Prefere-se estar sentado do que em pé. Prefere-se estar só do que acompanhado. Prefere-se o silêncio à música. Todos os sentidos, excepto o paladar, ficam inactivos. Não se vê nada, não se ouve nada, não se sente nada... ou apenas na medida em que nos ajude a apreciar o sabor divinal da nossa pêra.
BEATRIZ: Mas a que sabe ao certo?


Depois foi a folha em branco, o sossego instalando-se a pouco e pouco, as mãos que já desenharam os frutos pegando nos lápis hesitantes, as palavras e frases a despontarem, os textos a ganharem forma, consistência, sabor.
Não vai ficar por aqui este trabalho, a professora Maria João Cortegaça reservou a parte mais surpreendente para o final.


Estejam atentos!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

UMA HORA DE LEITURA

Todos conhecemos o nome do chileno Antonio Skármeta como o autor do maravilhoso O Carteiro de Pablo Neruda. Pois bem, está aí um novo livro, igualmente terno e comovente, e igualmente desprovido de qualquer tentação piegas.
Um Pai de Filme conta a história de um jovem professor primário de uma remota aldeia chilena, com a cabeça cheia de sonhos literários e desejos de conhecer o amor e a vida. É uma brevíssima narrativa (menos de 100 páginas) que nos proporciona uma hora de puro prazer de leitura.

Na apresentação do seu livro, hoje, na Livraria Buccholz, Antonio Skármeta, muito divertido, confessou que, tendo começado por escrever um romance com mais de 300 páginas, acabou por ir cortando, cortando, até chegar a esta história curta, que deixa espaço para o leitor respirar e sonhar. O actor André Gomes (que representou Pablo Neruda na peça encenada há uns anos pelo Grupo de Teatro de Almada) leu páginas do livro.
Tenho a certeza de que, a esta hora, todos os que estavam naquela sala, já leram, de um fôlego, Um Pai de Filme de Antonio Skármeta.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

FIAMA

A propósito do Colóquio "Fiama Hasse Pais Brandão", a que assistimos nos dias 29 e 30 de Outubro, na Casa Fernando Pessoa - e no qual foi lançada a antologia Âmago - deixamos aqui um poema revelador de uma das grandes vozes da poesia portuguesa da 2.ª metade do século XX.

Chamar-Te é um sopro. O assobio
dos pássaros na enseada.
Baixa a colina agora e segue
o fio da minha voz. O azul do mar
assimila-nos a si. O Teu
nome vai perder-se no estuário
que nós víamos do cimo
da muralha. Desprezo o eco. Nada
Te chegará de tudo isto
que é o real. Ventos, sons, o mar,
a voz são uma mancha inconsis-
tente no único espaço que nos une.


Fiama Hasse Pais Brandão