O texto do Zé António pisca-me o olho, quer dizer, provoca-me a divertida estranheza dos jogos de espelhos. Explico-me melhor. Quando o li, achei que poderia ter sido eu a escrevê-lo. Gostava de o ter escrito.
Também, como todos eles, pressinto que a Biblioteca é um labirinto que reflecte e multiplica, (quase) até ao infinito, os nossos labirintos interiores.
Das portas que se abrem nas suas paredes, só quem nunca leu um livro não sabe. Imaginemos que cada livro, em cada prateleira, em cada estante, em cada fila, é, não uma, mas muitas portas! É que é mesmo! Portas para mundos que sem os livros jamais alcançaríamos – alguns são-nos completamente alheios, outros já eram nossos, escondidos nos corredores obscuros do nosso ser. É por isso que ler um livro nos afasta e ao mesmo tempo nos aproxima de nós mesmos. Nos dá a ler os outros, na exacta medida em que nos devolve a leitura do nosso eu mais interior.
Enfim, falávamos de LIVROS COM BIBLIOTECAS DENTRO e eu lembrei-me – como não me lembrar?... – de QUADROS COM BIBLIOTECAS DENTRO.
Quando, em viagem, visito museus, páro sempre mais tempo diante dos quadros com livros. Há muitos, dos livros religiosos nos frescos medievais e no Barroco meridional, aos livros nas mãos de burgueses ilustrados do Classicismo protestante ou aos livros languidamente caídos no regaço das meninas do século XIX. Depois há os livros do Arcimboldo, de Van Gogh, de Picasso, de Mondrian e sobretudo os melancólicos livros de Hopper, companheiros da insuportável solidão contemporânea.
Mas entre todos os pintores que sentiram o apelo sensitivo, visual, plástico dos livros, Maria Helena Vieira da Silva é, sem sombra de dúvida, aquela que mais e melhor pintou a BIBLIOTECA. Logo ela, portuguesa, nascida num país que pouco lê e que, quando ela nasceu em 1908, tinha cerca de 80% de pessoas analfabetas...
Olhemos, por momentos, a “Biblioteca em Fogo”. É um quadro do ano mágico de 1974, e podemos vê-lo ao vivo no belíssimo Museu Vieira da Silva, no Jardim das Amoreiras – do melhor que Lisboa tem para nos dar. Olhemos bem para dentro do quadro e escutemos o crepitar do fogo que se desprende do fundo, bem fundo, dos livros. É o mistério das portas que se abrem, infinitamente, dentro dos livros. E dentro de nós.
Era disso que falavas quando falavas da Biblioteca da nossa Escola, Zé António? Também eu acredito que ela guarda muitos mistérios. Saibamos nós incendiar os olhos.
"A Biblioteca em Fogo", pintura de M.ª Helena Vieira da Silva
Belíssimo quadro. Quando há uns anos visitei o museu vieira da silva também perdi uns bons minutos a contemplá-lo.
ResponderEliminarE a biblioteca da ESLAV é um mimo. Encontrei lá muitos livros que nem em sonhos esperaria encontrar. Se não me engano, até tem lá um livro do Adolfo Casais Monteiro (com o poema Europa). Nunca encontrei numa livraria um livro do Adolfo Casais Monteiro, dizem-me sempre "não há/esgotou". Foi também lá que descobri "A Imobilidade Fulminante" do António Ramos Rosa, que contém dos meus poemas preferidos dele.
Olá Susana Quartin! Conheço o teu nome, porque ganhaste o 1.º Prémio de Poesia do Concurso Literário da ESLAV em 2007, com um texto inesperado para uma aluna do Secundário. Bom teres aberto algumas das portas da Biblioteca da ESLAV (provavelmente algumas que nunca tinham sido abertas). E já agora, eu sempre digo que a Matemática combina bem com a Literatura.
ResponderEliminarSinto-me reconciliado, finalmente, com as limitações do meu texto, porque desencadeou este texto teu - que, para além de ser belíssimo em si mesmo, representa a tua estreia no blogue.
ResponderEliminarEra exactamente do que tu dizes tão bem que eu tentava falar - e gostei de o redescobrir, neste jogo de espelhos, num texto sobre quadros com livros dentro a propósito de um texto sobre livros com bibliotecas dentro...
E quanto a ti, Susana Quartin, agora não desapareças. Entra em contacto connosco. Aproximam-se os 30 anos da escola - procuramos testemunhas, testemunhos. Precisamos de ti.
Parabéns pelo vosso trabalho para além do valor inestimável desta obra.
ResponderEliminarAlunos , professores, espcialistas criam um espaço de arte a divulgar .Um abraço a todos
Vanda Gama e Costa (prof.de geografia na Escola Sec. José Gomes Ferreira)