onde não estou, tu não existes, de Marta Chaves, é um livro singular. São 21 poemas breves (5 deles têm apenas 1 verso, o mais extenso tem 8 versos), respiração de uma fortíssima intensidade emocional e textual que a escassez das palavras parece sublinhar.
O título abre para um universo de referências (a relação sujeito-objecto) claramente vinculadas à Filosofia e à Psicanálise. E se esta é uma linha de sentido que perpassa por aqui, uma outra, igualmente cara a estes domínios, se cruza com ela - a linguagem. Temos, então, que este é um livro sobre a relação do eu com o outro, uma relação que é instaurada pela palavra, o nome, ou, na impossibilidade de nomear, pelo silêncio. Na verdade, este é também um livro onde o silêncio se faz ouvir, desde o primeiro poema
Exerço muitas vezes o ofício de estrangeira
com pouca fé de que na impossibilidade da língua
se entenda a natureza dos meus gestos.
ou mais adiante
Escrevo-te cartas que difundem o meu silêncio.
ou ainda
Fico só
entre mim e o nome que dou às coisas.
Não se pense, no entanto, que Marta Chaves procura na Filosofia ou na Psicanálise um abrigo redutor, ou comprometedor, da dimensão poética dos seus versos. Muito longe disso, estes poemas (ou o poema contínuo, para usar uma expressão roubada a Herberto Helder) são pura poesia, tecida palavra a palavra, linguagem densa e depurada. Com estas palavras se enuncia o (des)encontro com o outro, o amor, a perda, a fuga, o rapto. Com estas palavras, colhidas laboriosamente no dicionário mais íntimo, se indicia uma narrativa (e uma geografia)
Esta cidade está repleta de pequenos raptos,
de andaimes suspensos no tempo da minha memória.
Lembrar que este é o primeiro livro de Marta Chaves, depois da estreia na revista "Criatura", e da presença na blogosfera literária, não é irrelevante. Porque é necessária uma grande maturidade estilística para publicar assim, para escrever assim, com este rigor e esta escassez. É preciso um domínio muito eficaz da linguagem, para virar as palavras do avesso e depois devolvê-las intactas e transparentes ao labor da representação. É preciso deixar para trás muitos cadernos de versos para, num só verso, escrever
Chegam cobertas de pó as coisas imaginadas.
onde não estou, tu não existes é um livro cuja leitura nos obriga a parar, porque só no silêncio do encontro com a substância da palavra poética, saberemos desocultar o que apenas se pressente.
Depois da leitura deste texto, fico sem palavras. Ficam mil coisas a vibrar dentro de mim. Esta professora, esta escola, um encontro em que tudo ganha sentido.
ResponderEliminarVejo-me na transparência deste texto.
Que mais poderia desejar?
Muito Obrigada Elisa.
marta
Interessante. Em que número da criatura saiu? Só tenho a nº2...tenho de arranjar as outras.
ResponderEliminar[E onde posso comprar o livro?]
Os poemas da Marta saíram no número 1 da "Criatura", cujo lançamento foi na "Ler Devagar" de Braço de Prata.
ResponderEliminarQuanto ao livro, está à venda em várias livrarias, mas eu apenas sei da "Poesia Incompleta".
Para hoje, Dia Mundial da Poesia, não poderia fazer melhor recomendação do que um belíssimo livro de uma ex-aluna da ESLAV.
E para amanhã, proponho uma ida ao CCB, porque do programa consta a entrega do 2.º Prémio de Poesia do Concurso Nacional "Faça Lá um Poema" a um aluno da nossa Escola. O poema chama-se "Morte em Veneza" e o autor João d'Eça.
Eu lembro-me. À última da hora anteciparam o lançamento da revista, e já tinha combinações para esse dia... queria muito ter ido, ainda por cima com o Nuno Júdice presente.
ResponderEliminarHoje ia ao ccb de qualquer maneira, mas vou ver se apanho essa cerimónia. Obrigada!