segunda-feira, 14 de março de 2011

ANTÍGONA NA BIBLIOTECA

Antígona é um texto muito especial.
Em primeiro lugar, sem dúvida, porque foi escrito há cinco séculos antes de Cristo. Em segundo lugar porque encontramos aí algumas das questões fulcrais do ser humano de qualquer época e de qualquer lugar: reconhecemos os Antigos Gregos como mulheres e homens próximos, inseguros como nós, poderosos como às vezes nos descobrimos.
Mais do que isso, a tragédia de Sófocles foi, agora e para nós, o texto que permitiu inúmeros cruzamentos: uma proposta da Biblioteca, assumida pelos grupos de Filosofia e de História (os professores José Pacheco, Suzete Monteiro e Fátima Madaleno, por ordem de entrada), que trataram:
a) o dilema que o texto apresenta: Antígona que, para respeitar a sua crença fundamental, entra em choque com a lei dos homens;
b) o choque entre Antígona e o tirano, entre Antígona e sua irmã Ismena, enquadradas pelas chamadas de atenção do coro trágico, numa arrepiante leitura de passagens feita por diversos alunos (Carolina Pinto como a fortíssima Antígona; Madalena Martins e Sandra Fernandes como a fragilíssima Ismena; Creonte, o tirano -Sérgio Figueiredo - e o Corifeu - Tiago Botelho).
c) a questão do «feminismo» de Antígona, que nos levou numa visita muitíssimo bem documentada ao quotidiano da mulher na Antiga Grécia, bem como às mulheres excepcionais, que, de algum modo, desafiavam o Poder ou os costumes: Antígonas na filosofia, na coragem, no saber e na cultura.

Foi uma sessão maravilhosa por tudo isto. Pelo modo como se desenterrou um texto tão antigo, para se perceber que está vivo, e nos interpela, nos mostra, nos ensina. E as turmas presentes, 10º F e 11º F, será que gostaram tanto como nós?

sexta-feira, 4 de março de 2011

Uma leitura e nada mais....

Já passou mais de um mês sobre o lançamento do livro Nada Mais e Ciúme, de Gil Duarte. Prometi ao editor e ao autor lê-lo, e escrever trezentas e trinta e oito palavras, tantas quantas as páginas do romance. Empolguei-me e são mais de quinhentas. Bom sinal este.
Perseguindo uma estratégia narrativa proustiana, cujo fulcro é a evocação alimentada pela memória de um narrador fortemente comprometido com situações testemunhadas e experienciadas, manifestando uma espécie de ethos e eros irónico-trágicos, sem faca e alguidar, acerca das relações pessoais e familiares, eis um dos eixos de narratividade de Nada Mais e o Ciúme.
O triângulo de relações estabelecido pelas personagens Bernardo, Dulce, Virgílio, fechado num círculo, que é a vida do narrador, é ensombrado pela tragicidade. Um triângulo dessa natureza, em Camilo, Eça, Carlos de Oliveira, Cardoso Pires, resolvia-se a tiros de bacamarte, com uma apoplexia, um corpo a boiar numa lagoa… anulando um dos lados do triângulo. Não enveredando por aí, o narrador sabe que o tempo tudo diluirá. Gil Duarte deixa que tudo apodreça por si como se o tempo fosse uma das personagens principais que silenciosamente atravessa o texto, a escrita. Uma espécie de tudo e nada mais donde sobressai o ciúme, outra centralidade do romance, sintetizado na frase final de Pedro (o narrador), proferida numa solidão cortante: “Tenho-lhe ciúmes. Saudades, não.”
Do ponto de vista do narrador, o que sobra do tempo de convivência, de partilha e cumplicidade é, apenas, o ciúme. Com efeito, este é resultado de relações próximas e de conflitualidade entre personagens que são e deixam de ser; são quase perfeitas, bafejadas pelo êxito, presenteadas pelo trágico e insólitos inesperados. Veja-se o caso do professor de matemática que ora se empolga ora desiste perante o desafio de saber, melhor, negar o movimento, como se, para descobrirmos se o movimento existe ou não, fosse necessário enfrentar um comboio, quando apenas um Toyota, num parque de estacionamento retira a vida a Leonor. Como se o ciúme fosse demonstrável e deduzido matematicamente, materializado numa fórmula brilhante, demonstração, afinal, do matemático que era: "tudo acaba menos o ciúme: o ciúme é a única coisa que resta quando já nada mais há” (p. 121). Este cepticismo lúcido e um racionalismo académico caracterizam Bernardo! Todavia, o ciúme é uma cristalização que resiste ao tempo. Esta formulação dá o título ao romance. É o resto de adições, subtracções, divisões... Gil Duarte apenas altera a ordem dos elementos da frase, estabelecendo um quase-silogismo. Certamente que o nada mais é "o tudo" que já não se tem, que já passou, que já não se suporta, as relações quebradas, mas sempre na perspectiva de se reatarem: Bernardo – Dulce – Virgílio - o próprio Pedro; Dulce e outras experiências dulcíssimas às quais Dulce não resiste porque ela, sim, é livre, não revela memória, vive o tempo, (a)parece sempre feliz. Infeliz, não. Por isso não cultiva o ciúme. A sua memória é linear, a dos outros é circular.
Enfim, o ciúme apresenta-se como mínimo denominador comum, quando já mais nada subsiste, sentimento ambivalente que promove e corrói.
A narrativa encanta pelo modo como o ethos (os costumes, os vários caracteres, entenda-se) e o eros convivem numa lógica de cio, mãe do ciúme, em qualquer sentido da sexualidade. Por vezes inveja, pelo menos da parte do narrador, também escritor como Virgílio. Mas quem não terá ciúmes de um Virgílio?
Em síntese: o ciúme perdurará enquanto houver memória e desejo.
Findando. Desde o início, com a apresentação da brutal e insólita cena da morte de Leonor, outra ausente sempre presente, elemento pro-diegético por excelência, ou uma parte do todo que é o nada mais, até ao epílogo, somos envolvidos pela narratividade a vários tempos, vozes e ritmos que evidenciam uma técnica já apurada e consolidada.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Cronivite

Nada melhor do que abrir a caixa do correio e ter um convite ou desafio.
Neste caso implica teclar algumas letras, palavras frases - teia infindável de sentimentos e sabores - que após um clique entram no convívio dos sentidos. Isto está muito metafísico! Nada melhor do que olhar, escutar... deixem-se de metafísicas que distrai. E numa altura destas andar distraído é perigoso por dois motivos: o primeiro, é que a distração em si é censurável, andas na Lua pá? Olha o candeeiro, o parquímetro, o fiscal do parquímetro, que é pior! O outro, é que um ser humano distraído não é deste mundo: deixa de apreciar o belo destes dias quase primaveris, quer eles quer elas. E mesmo atento, atento mesmo, mesmo, mesmo, olhai, atento que nem um penedo, uma antena, não impedes que te vão ao bolso descaradamente. Quanto mais distraído, mais subtraído!
Sinceramente! Não gosto de moralistas mas, para contrariar, deixo um conselho. Vivamos a vida, erguei taças às vossas crenças, amigos, esqueçamo-nos disto!