quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

MISTÉRIOS

Com grande probabilidade, o leitor terá já assistido, no meio de um jantar com amigos, à seguinte discussão - a certa altura, alguém se pro­nuncia sobre o algarismo suplementar que os bilhetes de identidade passaram a ter de há uns anos para cá, mais ou menos nos seguintes termos: «O algarismo suplementar que se segue ao número do BI indica o número de pessoas em Portugal que têm um nome exacta­mente igual ao do portador do BI.»
Quando confrontado com o absurdo de tal afirmação (por exemplo, o algarismo suplementar do meu BI é 9 e posso comprovar que sou a única pessoa no mundo, não apenas em Portugal, com o nome de Jorge Buescu), talvez o interlocutor diga algo do género «mas fui informado por fonte seguríssima de que é assim». Ou talvez prefira mudar de assunto. (...)
Afinal de contas, o que representa o misterioso algarismo suple­mentar que se segue ao número do nosso BI?


A pergunta com que o texto finaliza serve apenas de introdução ao mistério apresentado pelo professor Jorge Buescu, que todos os alunos do oitavo ano, em sessões distribuídas ao longo de várias semanas, foram desafiados a decifrar, acompanhados pelas professoras Inês Alegria e Teresa Jerónimo. A recebê-los, duas professoras da equipa da Biblioteca, uma de Biologia e uma de Português, a confirmar, mais uma vez, o que nunca é suficientemente repetido, pensar e aprender não são actividades que devam estar arrumadas em gavetas separadas, mas sim em espaços amplos e totalmente comunicantes.

Como seria de esperar, começámos pela leitura. O excerto, retirado do livro, Mistérios do Bilhete de Identidade e Outras Histórias , começou por assustar um pouco: "Tão grande!" foi um dos desabafos repetidos, no entanto, rapidamente se percebeu que ler em companhia, conversando sobre, esclarecendo, faz evaporar grande parte das dificuldades.
Entre outras etapas, foi necessário determinar/lembrar o conceito de algoritmo, para então aplicar aquele que serve (ou devia servir) para encontrar o dígito de controlo dos BIs dos cidadãos portugueses: cada um pegou no seu cartãozinho e tratou de fazer as contas. A pouco e pouco, os resultados foram surgindo e, tal como o texto indicava, nem sempre davam certos; curiosamente, só falhavam alguns dos casos em BIs cujo dígito de controlo é o 0 (zero).

Porquê? Os alunos do oitavo ano já sabem a resposta.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

tolstoi, cem anos passados

dia dezoito de novembro, pelas dez da matina, se não estou erro, e aceite um mui-interessante convite do professor josé pacheco para comemorar, à maneira já habitual da biblioteca, o século da morte desse gigante literário cuja tradução do nome para a língua lusitana é leão tolstoi, procedeu-se à sessão propriamente dita. e aquele tipo era mesmo um leão! na nossa pequenez de compreensão e espírito, tentámos desvendar, por entre o manto diáfano da fantasia que são as obras-primas que lev, esqueçamos o por vezes ridículo leão, tolstoi deixou à humanidade, as mensagens que se lêem nas entrelinhas. e não são poucas. terminada a leitura de uma obra como guerra e paz, a primeira reacção poderá ser a seguinte,
é isto a guerra e paz?
mas com o passar do tempo chegará a conclusão de que nada mais na história da literatura universal alcançou aquele patamar. porque aquele livro tem tudo. não só guerra e paz, mas também amor, traição, ciúme, desejo, ira, amizade, vício, maldade, filosofia, política, estratégia, inveja e, sobretudo, uma procura incansável do sentido da vida.
quanto à sessão, julgo que tudo foi pelo melhor. e a originalidade da sessão consistiu precisamente na sua apresentação, pois ela repartiu-se pela minha pessoa e pela do professor josé pacheco. corroborámo-nos, completámo-nos, ajudámo-nos. no entusiasmo que a sessão suscitou, leram-se excertos da obra, sugeriram-se romances do autor e discutiram-se até teorias improváveis sobre a morte do génio. depois, falou-se do homem, do escritor, da obra, da guerra e paz, em particular, de napoleão e das suas campanhas militares, das personagens e, claro, de pierre, desse pequeno grande homem, que se perdoe a referência ao romance de thomas berger, a quem já ouvi descrever como sendo um tontinho que não sabe o que quer da vida. por muito redutor que isto possa parecer, é a pura das verdades. pois não somos nós todos uns tontinhos que não sabemos o que queremos da vida? sim, somos, mas é com homens como tolstoi que aprendemos, nem que seja somente um pouquinho, a lidar melhor com nossa pesarosa existência. e se, como disse blaise pascal, na vida não há nada de bom salvo a esperança de uma outra vida, então sempre podemos esperar que ela venha acompanhados pela literatura que tolstoi nos legou. sim, o leão morreu há cem anos. mas muitos cem anos passarão até a sua literatura se perder no vácuo que prevalecerá sobre tudo.