quarta-feira, 31 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Beatriz Ferreira (12ºB)

O CAOS DO SONHO

Estou deitado no sonho não
perturbes o caos que me constrói
Afasta a tua mão

das pálpebras molhadas
Debaixo delas passa
a água das imagens

Gastão Cruz, in Órgão de Luzes

terça-feira, 30 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de … Miguel Torrinha (12ºB)

Um amor como este
não pede mar ou praia:
somente o vento leste
erguendo a tua saia.


O resto é o futuro
além, à nossa espreita:
doce fruto maduro
na hora da colheita.

Daniel Filipe, in A invenção do Amor e Outros Poemas

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de …Marta Ramalho  (12º B)

Saudades! Sim… talvez… e por que não?...
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!
Florbela Espanca in Livro de Soror Saudade

domingo, 28 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Frederico Cantigas (12ºB)

Duvida da luz dos astros,
De que o sol tenha calor,
Duvida até da verdade,
Mas confia em meu amor.

William Shakespeare

sábado, 27 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de … Carolina Gonçalves (12ºB)

QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.

Natália Correia




sexta-feira, 26 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de...António Inácio (12ºB)

MOTE ALHEIO

Tudo pode ũa afeição.

GLOSA PRÓPRIA

Tem tal jurdição Amor
n' alma donde se aposenta
e de que se faz senhor,
que a liberta e isenta
de todo o humano temor;
e com mui justa razão,
como senhor soberano,
que Amor não consente dano.
E pois me sofre tenção,
gritarei por desengano:
tudo pode ũa afeição.

Luís de Camões

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de…A Páginas Tantas                                                                
Pedro Mexia na Biblioteca da ESPJAL


DUPLO IMPÉRIO
Atravesso as pontes mas
(o que é incompreensível)
não atravesso os rios,
preso como uma seta
nos efeitos precários da vontade.
Apenas tenho esta contemplação
das copas das árvores
e dos seus prenúncios celestes,
mas não chego a desfazer
as flores brancas e amarelas
que se desprendem.
As estações não se conhecem,
como lhes fora ordenado,
mas tecem o duplo império
do amor e da obscuridade.


Pedro Mexia, in Duplo Império

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha deMariana Costa (12ºB)

A miséria do meu ser,
Exposição "Fernando Pessoa Plural"
Do ser que tenho a viver, Tornou-se uma coisa vista.
Sou nesta vida um qualquer
Que roda fora da pista.
Ninguém conhece quem sou.
Nem eu mesmo me conhece,
E, se me conheço, esqueço,
Porque não vivo onde estou.
Rodo, e o meu rodar apresso.
É uma carreira invisível,
Salvo onde caio e sou visto,
Porque cair é sensível
Pelo ruído imprevisto…
Sou assim. Mas isto é crível?
Fernando Pessoa, in  Poesia 1931-1935

terça-feira, 23 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Andreia Filipa (12ºB)

A CANÇÃO

A terra é um paraíso que olha para cima,
O céu é um palácio que olha para baixo
- Passarei por cima de todas as águas,
Em busca da mulher sete vezes tão bela
E se o rei se diverte com as suas terras todas,
eu divirto-me feliz com as filhas dos homens.

Herberto Hélder

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

Camões, pintura de Júlio Pomar
A escolha de ... Carolina Momade (12º B)

QUE O RUDO ENGENHO MEU ME DESENGANA

De tão divino acento em voz humana,
De elegâncias que são tão peregrinas,
Sei bem que minhas obras não são dignas,
Que o rudo engenho meu me desengana.

Porém da vossa pena ilustre mana
Licor que vence as águas Cabalinas;
E convosco do Tejo as flores finas
Farão inveja à cópia Mantuana.

E pois a vós, de si não sendo avaras,
As filhas de Mnemósine fermosa
Partes dadas vos têm ao mundo claras;

A minha Musa, e a vossa tão famosa,
Ambas se podem nele chamar raras,
A vossa de alta, a minha de invejosa.

Luís Vaz de Camões

domingo, 21 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA






A escolha de …Gonçalo Almeida (12ºB)


O MEU SONETO

Em atitudes e em ritmos fleumáticos,
Erguendo as mãos em gestos recolhidos,
Todos brocados fúlgidos, hieráticos,
Em ti andam bailando os meus sentidos...

E os meus olhos serenos, enigmáticos
Meninos que na estrada andam perdidos,
Dolorosos, tristíssimos, extáticos,
São letras de poemas nunca lidos...

As magnólias abertas dos meus dedos
São mistérios, são filtros, são enredos
Que pecados d´amor trazem de rastros...

E a minha boca, a rútila manhã,
Na Via Láctea, lírica, pagã,
A rir desfolha as pétalas dos astros!..


Florbela Espanca, in A Mensageira das Violetas




sábado, 20 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de…Maria Ligeiro (12ºB)

DÚVIDA

Eu corro atrás da memória
De certas coisas passadas
Como de um conto de fadas,
De uma velha, velha história...

Tão longe do que hoje sou
Que nem sei se quem recorda
Foi aquele que as passou,
Ou se apenas as sonhou
E agora, súbito, acorda

Francisco Bugalho, in Canções de Entre Céu e Terra

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de… Raúl Doutel (12ºB)
 
AO DESCONCERTO DO MUNDO

Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.
 
Luís de Camões

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Alexandre Silva (12ºB)


Perdi uma pérola na erva
Pérola perdida que guarda o seu oculto oriente
- O amor àquela que amo um dia se perderá
Pérola de orvalho que morre e que fulgura

Herberto Helder
 








quarta-feira, 17 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de… Inês Rodrigues (12ºB)

 
PODE NEM SEMPRE SER ASSIM

pode nem sempre ser assim; e eu digo
que se os teus lábios, que amei, tocarem
os de outro, e os teus dedos fortes e meigos cingirem
o seu coração, como o meu em tempos não muito distantes;
se na face de outro os teus suaves cabelos repousarem
nesse silêncio que eu sei, ou nessas
palavras sublimes e estremecidas que, dizendo demasiado
ficam desamparadamente diante do espírito vozeando;

se assim for, eu digo se assim for –
tu do meu coração, manda-me um recado;
que eu posso ir junto dele, e tomar as suas mãos,
dizendo, Aceita toda a felicidade de mim.
Então hei-de voltar a cara, e ouvir um pássaro
cantar terrivelmente longe nas terras perdidas.


Edward Estlin Cummings, in
xix poemas



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de... A PÁGINAS TANTAS
 

  No aniversário do nascimento de Manuel da Fonseca (1911-1993)

   Tejo que levas as águas 
correndo de par em par 
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava-a de crimes espantos 
de roubos, fomes, terrores,
lava a cidade de quantos 
do ódio fingem amores 

Leva nas águas as grades 
de aço e silêncio forjadas 
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas

Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro 
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro

Lava palácios vivendas
casebres bairros da lata
leva negócios e rendas
que a uns farta e a outros mata 

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava avenidas de vícios
vielas de amores venais 
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais

Afoga empenhos favores
vãs glórias, ocas palmas
leva o poder dos senhores
que compram corpos e almas

Leva nas águas as grades
Das camas de amor comprado
desata abraços de lodo
rostos corpos destroçados
lava-os com sal e iodo

Tejo que levas nas águas

Manuel da Fonseca
 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de…  Joana Polónio Francisco  (7º F)

Quando tornar a vir a Primavera
talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
para poder supor que ela choraria,
vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma cousa:
é uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, tudo se repete, porque tudo é real.

Alberto Caeiro, Poemas Inconjuntos
   

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de...Carolina Abalada (12º G)


A PARTE INVISÍVEL DO VISÍVEL

A parte invisível do visível.
De resto conhecer mais o quê?
O Manifesto do Invisível.
Os lobos são a cabeça do anjo que não se vê.
Sangue no Focinho e Cobardia.


Gonçalo M. Tavares, in, Investigações. Novalis

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Maria Rainho (10º E)

 O  amor e o ócio
 Uma flor intrínseca ou um veneno ainda
 objetos de culto de cultos sobre lençóis postiços
 se quereis diferente, diferentemente os olhos
 revirados (os sonhos o cinema) ou tocar na ferida
 e pela carta aberta: «beija»! insinuando
 os beijos quanta verdura oh vaso débil, planta
 disfarçada na penugem todos o nome toda a mão
 lhe chega
 pássaro toca pérola ostra fumegante
 deitado de costas a fumar com o sexo todo
 tudo assente demais na rapariga
 jarra por vestir e então às voltas
 bebendo e suplicando que o quadro
 «…avança, encosta-lhe a pistola
 ao coração. Ouviu-se porém…»
 o vício? o cio? o símbolo? a salvação
 de uma criança apoiada a um seio, na verdura,
 ou embalada, salvé! E olha, e vê, e escuta-o,
 fala, afunda-o,
 mais belo, ímpar, hora a fio
 bebendo o leite morno

 Leite de natas, arquejante ainda
 pela porta de trás a sair para o rio
 Desgrenhada. Cinco horas. Se entretanto
 chegar a maior noite qual de vós escolherá o puro
 amor (delirante; ocioso; os trabalhos e os tempos;
 delirante contacto: a pele) de perdição.
 Perdendo-se, desaparecendo, enfim.
 Anémona, Lírio, a de louco pulso o de sábios pés
 assim antigamente imorredoiros, hoje em casa
 são elas as mulheres as cortinas onde ele se
 enterra.    

 Luiza Neto Jorge, in, Cem Poemas Portugueses no Feminino




quinta-feira, 4 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de... Teresa Raquel Barrau (10ºE)   

FLOR DE TINTA 

inclinada pelo rumor do vento quando lhe peço abrigo
e vejo nele o espelho do meu corpo
repousando nos teus braços de ontem.

A tinta ainda não acabou de secar.
O cheiro fresco da página vira-se para a página seguinte
e a minha voz ouve-se melhor ao vento
quando conspiramos silêncio
a próxima letra
e a exatidão do seu desenho.

Agora há mimosas nas árvores
e lá em baixo o rio já não é como era
nem saberia sê-lo.
Esqueci como se bebe a água pela mão
ou como se bebe a mão
do rio.

Eu existia nessa transparência,
na flor espiritual e líquida
da tinta
que retoca no papel a sua vida.
Esta letra é o meu nome soletrado por ti,
o meu nome que ainda não está seco
e te olha nas acácias florindo em amarelo
no rigor do inverno.

Qualquer palavra tua me desenha
e assim começa qualquer coisa
que me estava destinada desde sempre.

Rosa Alice Branco, in, 
Cem poemas portugueses no Feminino

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de… Nuno Galhofo (10ºE)
 

A noite é calma, o ar é grave,
na sombra cai um luar vago...
Subtil, a sem-razão suave
da vida estagna como um lago
na sensação, e a alma esquece
ao fim dos parques da emoção,
ao som da brisa que estremece
as águas dessa solidão.


Nesta hora, como se entretecendo
de uma meada em mãos com sono
que vão compondo e desfazendo
em afagos desse abandono,
com sensações de mão que as tece
amão que as tece adorno a alma
e o gesto, com que teço, esquece,
Eeo fundo da alma não tem calma.


Outrora, ao pé dos balaústres
vizinhos a se ver o mar
ea noite, sonhos vãos e ilustres
deram futuro ao meu sonhar.
Hoje, amargo de só ficar-me
daqueles sonhos tê-los tido
vivo de inútil recordar-me
qual se fosse outro o eu vivido.


Outrora fui quem hoje me amo,
e não amava quem eu era.
Sem voz, oculto, por mim chamo.
Choveu na minha primavera.
A noite, sem saber de mim,
com sua vaga brisa tece
meadas de destino e fim
em dedos em que a alma esquece.


Conheço o fundo ao gozo e à dor
sem ter da dor e gozo havido
mais que a sombra sem vulto ou cor,
e dos passos o coro e o ruído.
Ó noite, ó luar, ó brisa incerta,
não me deis mais que eu nada ser.
Só me fiquei a janela aberta
da vida, e a sinto sem saber.

 

Fernando Pessoa