sábado, 29 de setembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de …  Carolina Vicente  (11º B)

 

O MEU AMOR TERÁ, QUAL TENHO AGORA

 
O meu amor terá, qual tenho agora,
pela mão vil do tempo gastas cãs,
o sangue pobre, a fronte a cada hora
com mais linhas e rugas, e as manhãs.

Jovens indo à noite íngreme da idade,
e todas as belezas de que é rei
a esvanecer ou já sem validade,
roubado à primavera o ouro de lei.

Contra esse tempo busco a fortaleza
e contra a cruel lâmina que agrida
no meu amor memória da beleza,

embora ao meu amante leve a vida.
sua beleza nestas linhas cresce
ehão-de viver e nelas reverdece.

 

William Shakespeare, in, 365 Poemas que Falam de Amor

 

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de … Vanessa Luz  (11º B)
 

Duma outra infância inventada
guardo memórias que são
reais reversos do nada
que as verdadeiras me dão.

Estas , se acaso regressam,
em tropel e confusão
ao limiar, me tropeçam
no corpo das que lá estão.

Assim mentindo as raízes
do meu confuso começo,
segredo imagens felizes
com que as funestas esqueço.
 
Reinaldo Ferreira, in, Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de… Graça Nunes

 

HOMEM

Inútil definir este animal aflito.
Nem palavras,
nem cinzéis,
nem acordes,
nem pincéis
são gargantas deste grito.
Universo em expansão.
Pincelada de zarcão
desde mais infinito a menos infinito.


António Gedeão, in, Movimento Perpétuo


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de… Francisco Rodrigues (12º E)

Cântico Negro

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
estendendo-me os braços, e seguros
de que seria bom que eu os ouvisse
quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há nos meus olhos ironias e cansaços)
e cruzo os braços,
e nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "Vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
redemoinhar aos ventos,
como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
a ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
só para desflorar florestas virgens,
e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois, sereis vós
que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
para eu derrubar os meus obstáculos?
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
e vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
tendes jardins, tendes canteiros,
tendes pátria, tendes tectos,
e tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
e sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
mas eu, que nunca principio nem acabo,
nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
e uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
não sei para onde vou,
sei que não vou por aí!


José Régio, in, Poemas de Deus e do Diabo

terça-feira, 25 de setembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de... Tiago Botelho (12º F)
 
PROSA PARA A MINHA AMADA

Mesmo quando não te vejo, é nisto que penso: és tão bonita.
Queria-to dizer, mas não consigo: há coisas que não sei dizer.
Penso nelas e vejo-as muito claramente, mas não consigo dizê-las.
A beleza tornou-te inaudita.
Sorrio.
Olho para a estrada mas a pensar em ti.
O meu silêncio nomeia devagarinho a tua beleza.
Invoco-te de uma forma delicada. Invoco cada detalhe, cada
pormenor. Mas é da beleza por inteiro que o meu silêncio se ocupa.
Silêncio e beleza e pensamento ocupam-se por inteiro.
Preenchem-se.

Mesmo calado, penso em ti e consigo ver-te.
Apesar de olhar para a frente, é para dentro que eu vejo.
Poderias ficar infinitamente assim: tu.
Até que um dia o esquecimento seja mais forte, eu vejo-te.
Os olhos, os lábios, a boca, a testa, o nariz, as mãos, o cabelo, o pescoço, a pele.
Tu.
Tu com o teu sorriso.
Até mesmo esse ar sério que fazes quando não olhas para mim.
A maneira como fumas ou como olhas para a frente
enquanto avançamos pela estrada. Tu. Eu. Nós.
O mesmo instante.

A juventude é o chão sob os teus pés. E eu sempre a pensar
até quando não digo nada: és tão bonita.
Mesmo quando não acontece nada.
Até quando já não penso em ti.

Rui Machado

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


 A escolha de … Patrícia Herdeiro  (12º F)

 

EU E O MENINO

 
Um dia pensei ir pescar,

sentia-me triste e fraco.

Por entre os íris fiz co´a mão

nas lentilhas-d´ água um buraco.
 

Do fundo subiu uma luz,

que de negro espelho saía.

Um jardim nunca antes pisado

e um rapazinho ali se via.

 
Estava em pé a uma mesa,

Escrevia na lousa que tinha.

E a letra que seguia o giz

conhecia eu bem, era minha.
 

Mas ele escreveu começou

Sem pressa e sem qualquer rubor

Tudo quanto eu na minha vida

sonhava escrever de melhor.
 

E cada vez que eu acenava,

a dar a entender que sabia,

fazia ele tremer a água

e tudo outra vez se extinguia.

 

Martinus Nijhoff,  in, Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro

 

sábado, 22 de setembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


 A escolha de... Diogo Gonçalves, 8º D

UMA PERFEIÇÃO DE CÃO

Conheci um cão
que falava

que escutava

que cantava

que brincava

que ladrava

que fazia o pino

e que era um grande dançarino.
 

Que jogava à bola

que perdia

que ganhava

que estudava

e que andava

comigo na escola

 
E que tal?

Era ou não

uma perfeição de cão?

 
Não acreditam?

Fazem mal .

Era um cão

de imaginação.

 
Maria Cândida Mendonça

 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de… Ricardo Maçãs, 8º D

O PARDAL NO FIO

O pardal no fio
ouvia conversas
de fio a pavio.
Nada o afastava:
nem o trovão,
nem o frio.
O que ouvia contava,
o que contava corria,
o que corria mudava
o que já se sabia.
O pardal recusou
a alpista,
arranjou uma lista
e fez-se telefonista.


José Jorge Letria

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de... Pedro Castanheira, 8º D

CÃO COMO NÓS
(excerto)

Como nós eras altivo
Fiel mas como nós
Desobediente
Gostavas de estar connosco a sós
Mas não cativo
E sempre presente-ausente
Como nós
Cão que não querias
Ser cão
Não lambias
A mão
E não respondias
À voz
Cão
Como nós.


Manuel Alegre, in, Os Animais na Poesia

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de... A PÁGINAS TANTAS

no aniversário do nascimento de Camilo Pessanha (1867 — 1926)


Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...

Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze – quanta flor! – do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?


Camilo Pessanha, in, Clepsidra

terça-feira, 4 de setembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de... A PÁGINAS TANTAS

No aniversário de José Luís Peixoto (n. 1974)


A MULHER MAIS BONITA DO MUNDO

estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.

entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.

há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.

estás tão bonita hoje.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.


José Luís Peixoto, in A Casa, a Escuridão