quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

No dia que deu à Língua Portuguesa três grandes poetas
Vitorino Nemésio (1901-1978)

ARTE POÉTICA 

Vitorino Nemésio
A poesia do abstracto?Talvez. 
Mas um pouco de calor, 
A exaltação de cada momento, 
É melhor. 
Quando sopra o vento 
Há um corpo na lufada; 
Quando o fogo alteou 
A primeira fogueira, 
Apagando-se fica alguma coisa queimada. 
É melhor!
Uma ideia, 
Só como sangue de problema; 
No mais, não, 
Não me interessa. 
Uma ideia 
Vale como promessa, 
E prometer é arquear 
A grande flecha. 
O flanco das coisas só sangrando me comove, 
E uma pergunta é dolorida 
Quando abre brecha. 
Abstracto! 
O abstracto é sempre redução, 
Secura. 
Perde; 
E diante de mim o mar que se levanta é verde: 
Molha e amplia.
Por isso, não: 
Nem o abstracto nem o concreto 
São propriamente poesia. 
A poesia é outra coisa. 
Poesia e abstracto, não.

in, O Bicho Harmonioso


Alexandre O'Neill (1924-1986)


PORTUGAL

Ó Portugal, se fosses só três sílabas, 
Alexandre O´Neill
linda vista para o mar,Minho verde, Algarve de cal, 
jerico rapando o espinhaço da terra, 
surdo e miudinho, 
moinho a braços com um vento 
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo, 
se fosses só o sal, o sol, o sul, 
o ladino pardal, 
o manso boi coloquial, 
rechinante sardinha, 
a desancada varina, 
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos, 
a muda queixa amendoada 
duns olhos pestanítidos, 
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos, 
o ferrugento cão asmático das praias, 
o grilo engaiolado, a grila no lábio, 
o calendário na parede, o emblema na lapela, 
ó Portugal, se fosses só três sílabas 
de plástico, que era mais barato! 

*
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos, 
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã, 
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço, 
galo que cante a cores na minha prateleira, 
alvura arrendada para ó meu devaneio, 
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço. 
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, 
golpe até ao osso, fome sem entretém, 
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes, 
rocim engraxado, 
feira cabisbaixa, 
meu remorso, 
meu remorso de todos nós... 

in, Feira Cabisbaixa


Manoel de Barros (n.1916)

SOBERANIA

Manoel de Barros
Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que
tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
do vento escorregava muito e eu não consegui
pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso
carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos
deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado
e disse que eu tivera um vareio da imaginação.
Mas que esses vareios acabariam com os estudos.
E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li
alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.
E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria
das idéias e da razão pura. Especulei filósofos
e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande
saber. Achei que os eruditos nas suas altas
abstrações se esqueciam das coisas simples da
terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase:
A imaginação é mais importante do que o saber.
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu
olho começou a ver de novo as pobres coisas do
chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam
o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas
podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania
nem pra ser um bentevi.

in, Memórias Inventadas - A Terceira Infância, Editora Planeta - São Paulo

domingo, 9 de dezembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA . OPINIÕES

A escolha de… Joana Galvão (8ºB)

MOTIVO
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
Cecília Meireles

À DESCOBERTA DOS LIVROS 

Opiniões do 7º A

Eu adorei o dia de a  nossa turma ir à Biblioteca e jogar aquele jogo de encontrar os livros.

Foi muito divertido e entusiasmante! Não me importava de jogar outra vez com a minha turma.
                                       Cláudia Alves
Eu gostei muito de ir à biblioteca. Gostei de ir à descoberta do mundo das letras! Achei uma atividade divertida e interessante.
Beatriz Pereira
 Gostei muito da descoberta dos livros na biblioteca da Escola Secundária Professor José Augusto Lucas, porque deu para nós aprendermos a encontrar os livros que procuramos.
                                                                                                                                       Ricardo Martins
 Eu gostei muito da atividade, pois foi uma maneira divertida de descobrir alguns livros que gostava de ler.
                                                                                                                                         Beatriz Chirife
 Eu gostei muito de ir à biblioteca, pois adoro ler e achei super  giro termos feito o jogo “À Descoberta dos Livros”, que serviu para aprendermos onde podemos ir buscar os livros e sabermos um pouco mais sobre aqueles que nos calharam. 
                                                                                                                                         Carolina Pinto

Eu gostei muito da atividade, pois, como somos novos na escola, ajudou-nos a perceber melhor como encontrar um livro, quando formos à biblioteca. E no final da visita aconselharam-me um livro muito interessante, que de tão interessante que é, cada vez que tento parar de ler uma página, tenho sempre de ler outra e mais outra…
Lydia Sousa

Eu gostei muito da visita à Biblioteca da escola.

A parte que foi mais engraçada foi a segunda parte, quando andámos à procura dos livros. Uns foram mais fáceis e outros mais difíceis, o que tornou o jogo mais divertido.
                                                                                                                                          Miguel Santos

sábado, 8 de dezembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… A PÁGINAS TANTAS
No aniversário do nascimento e da morte de Florbela Espanca

SER POETA


Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior
do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
e não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
é ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda gente!


Florbela Espanca, in, Charneca em Flor

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de…Inês Rodrigues (8ºB)

RECORDO-TE COMO ERAS
Recordo-te como eras no outono passado.
Eras a boina cinzenta e o coração em calma.
Nos teus olhos lutavam as chamas do crepúsculo.
E as folhas caíam na água da tua alma.

Fincada nos meus braços como uma trepadeira,
as folhas recolhia a tua voz lenta e em calma.
Fogueira de estupor onde a minha sede ardia.
Doce jacinto azul torcido sobre a minha alma.

Sinto viajar os teus olhos e é distante o outono:
boina cinzenta, voz de pássaro e coração de casa
para onde emigravam os meus profundos desejos
e caíam os meus beijos alegres como brasas.

Céu visto de um navio. Campo visto dos montes:
a lembrança é de luz, de fumo, de lago em calma!
Para lá dos teus olhos ardiam os crepúsculos.
Folhas secas de outono giravam na tua alma.
Pablo Neruda

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de … A PÁGINAS TANTAS
No aniversário do nascimento de Rainer Maria Rilke (1875 - 1926)

A PANTERA

(No Jardin des Plantes, Paris)


De percorrer as grades o seu olhar cansou-se
e não retém mais nada lá no fundo,
como se a jaula de mil barras fosse
e além das barras não houvesse mundo.
O andar elástico dos passos fortes dentro
da ínfima espiral assim traçada
é uma dança da força em torno ao centro
de uma grande vontade atordoada.
Mas por vezes a cortina da pupila
ergue-se sem ruído – e uma imagem então
vai pelos membros em tensão tranquila
até desvanecer no coração.

Rainer Maria Rilke, in, Carrossel e outros poemas, org. e trad. de Vasco Graça Moura

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Nos 77 anos da morte de Fernando Pessoa


A morte é a curva da estrada
A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.

Fernando Pessoa (23.5.1932)

domingo, 18 de novembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A ESCOLHA DE... A PÁGINAS TANTASNo aniversário do nascimento do poeta Manuel António Pina

(18 de novembro de 1943 - 19 de outubro de 2012)

Pensar de pernas para o ar
é uma grande maneira de pensar
com toda a gente a pensar como toda a gente
ninguém pensava nada diferente

Que bom é pensar em outras coisas
e olhar para as coisas noutra posição
as coisas sérias que cómicas que são
com o céu para baixo e para cima o chão.

Manuel António Pina

domingo, 4 de novembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Miguel Melo (12ºB)

ARTE DE AMAR


Metidos nesta pele que nos refuta, 

Dois somos, o mesmo que inimigos.
Grande coisa, afinal, é o suor
(Assim já o diziam os antigos):
Sem ele, a vida não seria luta,
Nem o amor amor.
 José Saramago

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de…João Marques (12ºB)

EM BUSCA DO AMOR

O meu Destino disse-me a chorar:
" Pela estrada da Vida vai andando,
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor, que hás-de encontrar. "

Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfiando...
E noite e dia, à chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando ...

Mesmo a um velho eu perguntei : "Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho ? "
E o velho estremeceu...olhou ...e riu...

Agora pela escada, já cansados,
Voltam todos pra trás desanimados ...
E eu paro a murmurar: " Ninguém o viu"! ..."

Florbela Espanca, in Livro de Mágoas

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de…Maria Inês Faria (12ºB)

METAMORFOSE
Súbito pássaro
dentro dos muros
caído,

pálido barco
na onda serena
chegado.

Noite sem braços!
Cálido sangue
corrido.

E imensamente
o navegante
mudado.

Seus olhos densos
apenas sabem
ter sido.

Seu lábio leva
um outro nome
mandado.

Súbito pássaro
por altas nuvens
bebido.

Pálido barco
nas flores quietas
quebrado.

Nunca, jamais
e para sempre
perdido

o eco do corpo
no próprio vento
pregado.

Cecília Meireles

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Beatriz Ferreira (12ºB)

O CAOS DO SONHO

Estou deitado no sonho não
perturbes o caos que me constrói
Afasta a tua mão

das pálpebras molhadas
Debaixo delas passa
a água das imagens

Gastão Cruz, in Órgão de Luzes

terça-feira, 30 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de … Miguel Torrinha (12ºB)

Um amor como este
não pede mar ou praia:
somente o vento leste
erguendo a tua saia.


O resto é o futuro
além, à nossa espreita:
doce fruto maduro
na hora da colheita.

Daniel Filipe, in A invenção do Amor e Outros Poemas

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de …Marta Ramalho  (12º B)

Saudades! Sim… talvez… e por que não?...
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!
Florbela Espanca in Livro de Soror Saudade

domingo, 28 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Frederico Cantigas (12ºB)

Duvida da luz dos astros,
De que o sol tenha calor,
Duvida até da verdade,
Mas confia em meu amor.

William Shakespeare

sábado, 27 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de … Carolina Gonçalves (12ºB)

QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.

Natália Correia




sexta-feira, 26 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de...António Inácio (12ºB)

MOTE ALHEIO

Tudo pode ũa afeição.

GLOSA PRÓPRIA

Tem tal jurdição Amor
n' alma donde se aposenta
e de que se faz senhor,
que a liberta e isenta
de todo o humano temor;
e com mui justa razão,
como senhor soberano,
que Amor não consente dano.
E pois me sofre tenção,
gritarei por desengano:
tudo pode ũa afeição.

Luís de Camões

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de…A Páginas Tantas                                                                
Pedro Mexia na Biblioteca da ESPJAL


DUPLO IMPÉRIO
Atravesso as pontes mas
(o que é incompreensível)
não atravesso os rios,
preso como uma seta
nos efeitos precários da vontade.
Apenas tenho esta contemplação
das copas das árvores
e dos seus prenúncios celestes,
mas não chego a desfazer
as flores brancas e amarelas
que se desprendem.
As estações não se conhecem,
como lhes fora ordenado,
mas tecem o duplo império
do amor e da obscuridade.


Pedro Mexia, in Duplo Império

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha deMariana Costa (12ºB)

A miséria do meu ser,
Exposição "Fernando Pessoa Plural"
Do ser que tenho a viver, Tornou-se uma coisa vista.
Sou nesta vida um qualquer
Que roda fora da pista.
Ninguém conhece quem sou.
Nem eu mesmo me conhece,
E, se me conheço, esqueço,
Porque não vivo onde estou.
Rodo, e o meu rodar apresso.
É uma carreira invisível,
Salvo onde caio e sou visto,
Porque cair é sensível
Pelo ruído imprevisto…
Sou assim. Mas isto é crível?
Fernando Pessoa, in  Poesia 1931-1935

terça-feira, 23 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Andreia Filipa (12ºB)

A CANÇÃO

A terra é um paraíso que olha para cima,
O céu é um palácio que olha para baixo
- Passarei por cima de todas as águas,
Em busca da mulher sete vezes tão bela
E se o rei se diverte com as suas terras todas,
eu divirto-me feliz com as filhas dos homens.

Herberto Hélder

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

Camões, pintura de Júlio Pomar
A escolha de ... Carolina Momade (12º B)

QUE O RUDO ENGENHO MEU ME DESENGANA

De tão divino acento em voz humana,
De elegâncias que são tão peregrinas,
Sei bem que minhas obras não são dignas,
Que o rudo engenho meu me desengana.

Porém da vossa pena ilustre mana
Licor que vence as águas Cabalinas;
E convosco do Tejo as flores finas
Farão inveja à cópia Mantuana.

E pois a vós, de si não sendo avaras,
As filhas de Mnemósine fermosa
Partes dadas vos têm ao mundo claras;

A minha Musa, e a vossa tão famosa,
Ambas se podem nele chamar raras,
A vossa de alta, a minha de invejosa.

Luís Vaz de Camões

domingo, 21 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA






A escolha de …Gonçalo Almeida (12ºB)


O MEU SONETO

Em atitudes e em ritmos fleumáticos,
Erguendo as mãos em gestos recolhidos,
Todos brocados fúlgidos, hieráticos,
Em ti andam bailando os meus sentidos...

E os meus olhos serenos, enigmáticos
Meninos que na estrada andam perdidos,
Dolorosos, tristíssimos, extáticos,
São letras de poemas nunca lidos...

As magnólias abertas dos meus dedos
São mistérios, são filtros, são enredos
Que pecados d´amor trazem de rastros...

E a minha boca, a rútila manhã,
Na Via Láctea, lírica, pagã,
A rir desfolha as pétalas dos astros!..


Florbela Espanca, in A Mensageira das Violetas




sábado, 20 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de…Maria Ligeiro (12ºB)

DÚVIDA

Eu corro atrás da memória
De certas coisas passadas
Como de um conto de fadas,
De uma velha, velha história...

Tão longe do que hoje sou
Que nem sei se quem recorda
Foi aquele que as passou,
Ou se apenas as sonhou
E agora, súbito, acorda

Francisco Bugalho, in Canções de Entre Céu e Terra

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de… Raúl Doutel (12ºB)
 
AO DESCONCERTO DO MUNDO

Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.
 
Luís de Camões

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Alexandre Silva (12ºB)


Perdi uma pérola na erva
Pérola perdida que guarda o seu oculto oriente
- O amor àquela que amo um dia se perderá
Pérola de orvalho que morre e que fulgura

Herberto Helder
 








quarta-feira, 17 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de… Inês Rodrigues (12ºB)

 
PODE NEM SEMPRE SER ASSIM

pode nem sempre ser assim; e eu digo
que se os teus lábios, que amei, tocarem
os de outro, e os teus dedos fortes e meigos cingirem
o seu coração, como o meu em tempos não muito distantes;
se na face de outro os teus suaves cabelos repousarem
nesse silêncio que eu sei, ou nessas
palavras sublimes e estremecidas que, dizendo demasiado
ficam desamparadamente diante do espírito vozeando;

se assim for, eu digo se assim for –
tu do meu coração, manda-me um recado;
que eu posso ir junto dele, e tomar as suas mãos,
dizendo, Aceita toda a felicidade de mim.
Então hei-de voltar a cara, e ouvir um pássaro
cantar terrivelmente longe nas terras perdidas.


Edward Estlin Cummings, in
xix poemas



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de... A PÁGINAS TANTAS
 

  No aniversário do nascimento de Manuel da Fonseca (1911-1993)

   Tejo que levas as águas 
correndo de par em par 
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava-a de crimes espantos 
de roubos, fomes, terrores,
lava a cidade de quantos 
do ódio fingem amores 

Leva nas águas as grades 
de aço e silêncio forjadas 
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas

Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro 
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro

Lava palácios vivendas
casebres bairros da lata
leva negócios e rendas
que a uns farta e a outros mata 

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava avenidas de vícios
vielas de amores venais 
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais

Afoga empenhos favores
vãs glórias, ocas palmas
leva o poder dos senhores
que compram corpos e almas

Leva nas águas as grades
Das camas de amor comprado
desata abraços de lodo
rostos corpos destroçados
lava-os com sal e iodo

Tejo que levas nas águas

Manuel da Fonseca
 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de…  Joana Polónio Francisco  (7º F)

Quando tornar a vir a Primavera
talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
para poder supor que ela choraria,
vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma cousa:
é uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, tudo se repete, porque tudo é real.

Alberto Caeiro, Poemas Inconjuntos
   

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA


A escolha de...Carolina Abalada (12º G)


A PARTE INVISÍVEL DO VISÍVEL

A parte invisível do visível.
De resto conhecer mais o quê?
O Manifesto do Invisível.
Os lobos são a cabeça do anjo que não se vê.
Sangue no Focinho e Cobardia.


Gonçalo M. Tavares, in, Investigações. Novalis

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

A escolha de… Maria Rainho (10º E)

 O  amor e o ócio
 Uma flor intrínseca ou um veneno ainda
 objetos de culto de cultos sobre lençóis postiços
 se quereis diferente, diferentemente os olhos
 revirados (os sonhos o cinema) ou tocar na ferida
 e pela carta aberta: «beija»! insinuando
 os beijos quanta verdura oh vaso débil, planta
 disfarçada na penugem todos o nome toda a mão
 lhe chega
 pássaro toca pérola ostra fumegante
 deitado de costas a fumar com o sexo todo
 tudo assente demais na rapariga
 jarra por vestir e então às voltas
 bebendo e suplicando que o quadro
 «…avança, encosta-lhe a pistola
 ao coração. Ouviu-se porém…»
 o vício? o cio? o símbolo? a salvação
 de uma criança apoiada a um seio, na verdura,
 ou embalada, salvé! E olha, e vê, e escuta-o,
 fala, afunda-o,
 mais belo, ímpar, hora a fio
 bebendo o leite morno

 Leite de natas, arquejante ainda
 pela porta de trás a sair para o rio
 Desgrenhada. Cinco horas. Se entretanto
 chegar a maior noite qual de vós escolherá o puro
 amor (delirante; ocioso; os trabalhos e os tempos;
 delirante contacto: a pele) de perdição.
 Perdendo-se, desaparecendo, enfim.
 Anémona, Lírio, a de louco pulso o de sábios pés
 assim antigamente imorredoiros, hoje em casa
 são elas as mulheres as cortinas onde ele se
 enterra.    

 Luiza Neto Jorge, in, Cem Poemas Portugueses no Feminino