segunda-feira, 16 de maio de 2011

ANTÓNIO VASCONCELOS RAPOSO - A GUERRA É A GUERRA

Até ao Fim - a Última Operação, de António Vasconcelos Raposo, é um livro de guerra, classificação para a qual a capa nos reenvia, sem equívocos. O contexto é, de facto, a guerra colonial, Angola, 1974, e os protagonistas, um destacamento de Fuzileiros Especiais a quem é confiada a difícil missão de recuperar um grupo de militares (digamos assim, para não revelar tudo...) feitos prisioneiros pelos guerrilheiros independentistas. A acção desenvolve-se, pois, em torno desta operação, que se constitui como foco de toda a narrativa. Ora, é precisamente a escolha deste episódio exemplar e não a opção tentadora da acumulação de memórias diversas e dispersas que dá unidade a este romance autobiográfico e lhe confere um sentido que ultrapassa a circunstância histórica que reúne aqueles homens naquele lugar.
É verdade que sabemos, desde as primeiras linhas, estar perante uma história vivida e mais tarde recontada pela voz da memória - uma memória tatuada, para sempre, como nos adverte a introdução. É verdade que a natureza da matéria narrada, o tempo e o lugar encaixam perfeitamente numa memória colectiva circunstancial recente, atestada pelas fotografias intercaladas no texto. Mas é também verdade que o que move aquele grupo de homens é um conjunto de sentimentos e valores intemporais e intrínsecos à condição humana: a coragem (e o medo), a lealdade, a amizade, o sentido de pertença, a dignidade, o respeito pelo outro.
Não me é fácil entender completamente o espírito bélico que, apesar da reconhecida injustiça daquela guerra, ecoa em muitas das páginas. Mas é muito fácil compreender que quem viveu uma experiência limite como esta a tenha vivido assim. E a recorde assim. Nesta guerra de império em estertor, afinal havia muitos homens extraordinários que mereciam estar noutro tempo e noutro lugar. As "malhas que o império tece" (teceu) fê-los estar ali, e foi ali que revelaram a sua vulnerabilidade, mas também a sua grandeza.

Este é um livro de guerra, dizia nas primeiras linhas. Agora estou quase a dizer que é também um livro sobre o treino. Na verdade, reconheço, no narrador desta memória intensa, a voz do treinador de outros livros assinados pelo mesmo autor. O espírito é o mesmo, os valores são os mesmos. E embora este seja um romance, reconheço nele também a voz grave, de leve sotaque açoriano de um professor desta Escola, que todos aprendemos a admirar. A voz de um amigo. O António Vasconcelos que em Angola treinou a coragem, a amizade, o respeito pela vida.

Este é, finalmente, um livro de libertação. Do peso do passado, da persistência da memória, da voz silenciada na mata, longe de casa. Um livro com a marca da urgência muito tempo contida. Porque a guerra é a guerra.

1 comentário:

  1. Extraordinário post, minha querida Elisa, acerca do livro de um grande amigo. E tens toda a razão, a guerra é uma experiência-limite: podemos não compreendê-la inteiramente, mas é das emoções experimentadas em situações extremas que se fazem as histórias que vale a pena serem contadas. Um beijo para ti, um grande abraço para o António. E muito sucesso!

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