segunda-feira, 11 de março de 2013

MANUEL DA FONSECA

Faz hoje 20 anos que morreu Manuel da Fonseca, nome grande da literatura portuguesa do século xx, que atingiu o ponto mais alto no conto, cultivado com a precisão, o rigor e a contenção da palavra, tão conformes ao seu Alentejo.
Recordamos um dos seus poemas, para ler e ouvir, pela voz única de Adriano Correia de Oliveira.

Tejo que levas as águas

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar.

Lava-a de crimes espantos
de roubos, fomes, terrores,
lava a cidade de quantos
do ódio fingem amores.

Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas.

Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro.

Lava palácios vivendas
casebres bairros da lata
leva negócios e rendas
que a uns farta e a outros mata.

Lava avenidas de vícios
vielas de amores venais
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais.

Afoga empenhos favores
vãs glórias, ocas palmas
leva o poder dos senhores
que compram corpos e almas.

Das camas de amor comprado
desata abraços de lodo
rostos corpos destroçados
lava-os com sal e iodo.

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