Ler é um acto que, na sua aparente e enganadora simplicidade, resulta de um longo processo histórico e da complexa formação cognitiva de cada um: lia-se, na Idade Média, pronunciando as palavras em voz baixa; não era conhecida a leitura silenciosa, sem mover dos lábios. Esta, que nos parece intuitiva, terá sido uma "descoberta" (provavelmente de mulheres: freiras que, para grande espanto dos que pela primeira vez as viram nessa prática, inventavam o acto, que hoje nos parece normal, de entrega à página de um livro, sem mediação da voz, como se a pessoa estivesse numa espécie de absoluto recolhimento).
Lê-se relativamente pouco em Portugal. Muitas das pessoas que sabem ler não gostam de o fazer. A leitura como um prazer é, obviamente, uma conquista. Mas que difícil, num mundo em que abundam e se buscam os prazeres que não dão trabalho, que se recebem passivamente.
Daí que me espante que certa editora apresente agora, como o último grito, "resumos de grandes obras" para se ouvir em i-pod. Ouvia há tempos, espantado, os argumentos de um orgulhoso responsável por este produto: que não podíamos recusar o «desafio das modernas tecnologias»; que se tratava de simplificar a vida dos jovens, apresentando-lhes, por exemplo, Felizmente Há Luar, de uma forma mais «motivadora» (porque, deduzo, os libertava da tarefa de "ler" a obra, permitindo-lhes que "ouvissem" um resumo dela). Era transbordando de vaidade que o senhor rematava: «Na altura dos exames, quando virem passar jovens de i-pod, quem sabe?, talvez estejam a ouvir Felizmente Há Luar».
Isto parece-me uma evolução ameaçadora. Não sou dos que pensam que a leitura esteja em risco - mas considero de uma irresponsabilidade que uma editora não perceba até que ponto está a corromper e a tentar substituir o que devia promover.
Provavelmente estou errado.
Mais loguinho
Há 5 horas
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