Se alguns amores há que são para ser mascados rapidamente e engolidos, como fast-food, outros, mais difíceis mas mais compensadores, devem saborear-se. Assim sucede com a minha última paixão. Vou apresentar um pedacinho, um fragmento, só, desse amor vagaroso e exigente:
«Muito da força da tecnologia, pensada em sua generalidade, vem desta conversão de uma ambivalência ancestral numa função única. É isto que faz o avião voar, a roda do carro girar, a lâmpada acender - o assassinato do possível. A tecnologia não é a falsa maravilha mas a mais violenta delas, já que cala todas as demais. Pois quem pode garantir que o borrifamento gracioso e a dispersão contínua da água, como numa gigantesca fonte barroca, não seriam capazes, numa outra evolução tecnológica (feita a partir do pó e não do fogo, da lama e não da roda, do vinho e não do pergaminho, do grito e não da fala), de gerar mais energia do que as hedrelétricas? Ou que ao invés de utilizar aviões pudéssemos ser catapultados em colchões de ar até o outro lado do oceano, abraçados a travesseiros de penas de ganso que voassem ainda? Não haverá em nosso grito uma enorme fonte de energia desperdiçada, e será que o mecanismo de nossas pálpebras não dispensaria combustíveis fósseis? E se cuspíssemos para cima? E se não fizéssemos nada? E se acendêssemos lâmpadas com bocejos?»
Mantenho, como perceberam, o português do Brasil. O autor chama-se Nuno Ramos. O livro tem um título tão simples e tão inesquecível como isto: Ó! Foi Prémio PT em 2009.
Mais loguinho
Há 5 horas
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