Grande escritor equatoriano, um dos maiores da língua castelhana, Mario Vargas Llosa recebe, finalmente, o Nobel da Literatura que, segundo a crítica, há muito lhe era devido. Depois dos chilenos Gabriela Mistral e Pablo Neruda, do guatemalteco Miguel Ángel Asturias, do colombiano Gabriel García Márquez, do mexicano Octavio Paz, Vargas Llosa oferece à riquíssima literatura latinoamericana o galardão máximo.
Queremos aqui homenageá-lo da melhor maneira que conhecemos para homenagear um escritor: lê-lo e dá-lo a ler.
Transcrevemos, pois, uns parágrafos do início do seu romance Travessuras da Menina Má, de 2006.
Aconteceram coisas extraordinárias naquele Verão de 1950. Cojinoba Lanas atirou-se pela primeira vez a uma rapariga - a ruiva Seminauel - e esta, ante a surpresa de Miraflores inteiro, disse-lhe que sim. Cojinoba esqueceu-se do seu coxear e andava desde então pelas ruas a fazer peito como um Charles Atlas. Tico Tiravante acabou o namoro com Ilse e atirou-se a Laurita, Victor Ojeda atirou-se a Ilse e acabou com Inge, Juan Barreto atirou-se a Inge e acabou com Ilse. Houve uma tal recomposição sentimental no bairro que andávamos aturdidos, os namoros desfaziam-se e refaziam-se e ao sair das festas dos sábados os pares nem sempre eram os mesmos que tinham entrado. "Que relaxação!", escandalizava-se a minha tia Alberta, com quem eu vivia desde a morte dos meus pais.
As ondas dos banhos de Miraflores quebravam duas ao longe, a primeira a duzentos metros da praia, e era até aí que nós, os valentes, íamos abatê-las a peito, e deixávamo-nos arrastar uns cem metros, até onde as vagas morriam só para se reconstituírem em airosas ondulações e quebrarem de novo, numa segunda rebentação que nos fazia deslizar, aos que fazíamos carreirinhas nas ondas, até às pedrinhas da praia.
Naquele Verão extraordinário, nas festas de Miraflores toda a gente deixou de dançar valsas, corridos, blues, boleros e huarachas, porque o mambo arrasou. O mambo, um terramoto que pôs todos os pares infantis, adolescentes e maduros a saltar, pular, fazer figuras, nas festas do bairro. E a mesma coisa acontecia certamente fora de Miraflores, para além do mundo e da vida, em Lince, Brena, Chorrillos, ou nos ainda mais exóticos bairros de La Victoria, no centro de Lima, no Rímac e no Porvenir, onde nós, os miraflorinos, nunca tínhamos posto os pés nem pensávamos ter de pôr.
E assim como das valsinhas e das huarachas, dos sambas e das polcas tínhamos passado ao mambo, passámos também dos patins e das trotinetas à bicicleta, e alguns, Tato Monje e Tony Espejo, por exemplo, à mota, e inclusivamente um ou dois ao automóvel, como o matulão do bairro, Luchín, que roubava às vezes o Chevrolet descapotável ao pai e nos levava a dar uma volta pelos molhes, do Terrazas até à quebrada de Armendáriz, a cem à hora.
Naquele Verão extraordinário, nas festas de Miraflores toda a gente deixou de dançar valsas, corridos, blues, boleros e huarachas, porque o mambo arrasou. O mambo, um terramoto que pôs todos os pares infantis, adolescentes e maduros a saltar, pular, fazer figuras, nas festas do bairro. E a mesma coisa acontecia certamente fora de Miraflores, para além do mundo e da vida, em Lince, Brena, Chorrillos, ou nos ainda mais exóticos bairros de La Victoria, no centro de Lima, no Rímac e no Porvenir, onde nós, os miraflorinos, nunca tínhamos posto os pés nem pensávamos ter de pôr.
E assim como das valsinhas e das huarachas, dos sambas e das polcas tínhamos passado ao mambo, passámos também dos patins e das trotinetas à bicicleta, e alguns, Tato Monje e Tony Espejo, por exemplo, à mota, e inclusivamente um ou dois ao automóvel, como o matulão do bairro, Luchín, que roubava às vezes o Chevrolet descapotável ao pai e nos levava a dar uma volta pelos molhes, do Terrazas até à quebrada de Armendáriz, a cem à hora.
fico contente pela consagração do autor, embora me pareça algo desconcertante o atraso com que ela foi feita. em dois mil e dez o nobel não vai propriamente ser de grande uso a mario vargas llosa, apesar de isso não retirar importância à sua atribuição. e, claro, para qualquer escritor, em qualquer altura, o nobel é sempre o expoente máximo que a sua carreira pode atingir.
ResponderEliminarÉ verdade. Mas pelo menos não aconteceu o mesmo que ao grande Jorge Luís Borges que nunca recebeu o Nobel, por razões totalmente estranhas à Literatura.
ResponderEliminarisso já é habitual, basta lembrarmos o caso do brecht, por exemplo. deu-se o nobel a tantos dramaturgos e logo o brecht, que eu considero o mais radical, influente e inventivo homem do teatro do século vinte, foi deixado de fora.
ResponderEliminarEstou completamente de acordo. Em relação ao Brecht e ao resto.
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